Silvani Pereira, ex-diretor-presidente do Metrô de São Paulo, compartilha, em entrevista exclusiva, insights sobre mobilidade urbana e carreira. Administrador pós-graduado em gestão de políticas públicas, Pereira é um dos responsáveis pela implantação do Metrohub no PqTec.
Com uma carreira de 40 anos nos setores bancário, público e de mobilidade, Silvani Pereira deixou uma marca de inovação e desenvolvimento em cada desafio que aceitou. Seu mais recente legado, o Metrohub – primeiro hub de inovação do Metrô de São Paulo –, foi implantado no Parque Tecnológico São José dos Campos (PqTec) após 9 meses de uma visita ao PqTec. Pereira foi presidente da companhia entre janeiro de 2019 e janeiro de 2023, quando assumiu um novo desafio no setor de infraestrutura. O PqTec convidou-o para uma entrevista em homenagem a sua trajetória e contribuição para o setor de mobilidade. Confira:
Conte-nos sobre a sua trajetória, desde os tempos de bancário, passando pelo Ministério das Cidades e chegando à presidência do Metrô de São Paulo.
S.P.: Comecei a minha carreira de gestor aos 21 anos, como gerente de uma agência bancária, e os novos desafios aconteceram sempre de forma natural. Até 2001, minhas atividades foram vinculadas exclusivamente ao setor bancário, a partir dessa data migrei para o setor público. Tive a oportunidade de assumir três secretarias de Estado: Desenvolvimento Econômico, Saúde e Gestão Estratégica. Passei pelo Ministério Trabalho, fui Secretário Nacional de Políticas Públicas de Emprego e Renda, trabalhei numa empresa vinculada ao Ministério da Fazenda – uma empresa de gestão de ativos, na qual eu cuidava de uma carteira com mais de 12 bilhões em contratos. O meu início no setor da mobilidade se deu quando eu assumi, no Ministério das Cidades, a Secretaria Executiva do Ministério. Com isso, ocupei a presidência do Conselho de Administração da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (Trensurb), em Porto Alegre (RS) e a presidência do Conselho de Administração da CBTU. Por fim, assumi a presidência do Metrô de São Paulo.
Quais foram os elementos do ecossistema do PqTec que mais te chamaram a atenção e para o potencial da implantação do Metrohub?
S.P.: Quem não inovar ou quem não tiver aberto à mudança não sobrevive. Essa afirmação é antiga e existe desde que o homem descobriu que ele poderia criar, inovar e manipular objetos. A descoberta do fogo, da pólvora, do telégrafo, da energia elétrica, sempre foram inovações disruptivas, que mudaram o comportamento do ser humano e a forma de trabalho e de oferecer serviços. A diferença é que, atualmente, tudo acontece de maneira muito mais rápida. Em ecossistemas como o PqTec, um ambiente de conexões, os ciclos de inovação são cada vez menores. No PqTec vimos experiências reais de sucesso na inovação e na criação de novas soluções. Isso nos motivou a sair de um ambiente, digamos, mais “empresarial e hierarquizado”, onde as rotinas diárias competem com a inovação, e apostar no PqTec, que tem uma estrutura como o Nexus, em que é possível conectar diversos atores na busca de uma solução.
Conte-nos um pouco sobre o processo de implantação do Metrohub no PqTec.
S.P.: A partir da experiência que tivemos na visita ao PqTec e as informações que recebemos em relação ao Parque, percebemos que, se tivéssemos projetos incubados aqui e/ou uma estrutura avançada da companhia dentro do PqTec, aceleraríamos os processos internos do Metrô. Nós já havíamos criado no Metrô o NIT, que é o Núcleo de Inovação Tecnológica, e o Metrolab, que é o Laboratório de Inovação do Metrô. Mas, queríamos ir além com um projeto ainda mais disruptivo, por isso, levamos a ideia do Metrohub para a Diretoria, que acreditou que a implantação traria inovação, impactando prazos de desenvolvimento de um projeto de inovação, produzindo resultados positivos para a qualidade dos serviços prestados ao cidadão. A interação com o time do PqTec foi fundamental para que a Diretoria e a equipe técnica da companhia se convencessem de que seria uma oportunidade importante para a Empresa. O Metrohub também serve para discutir a mobilidade de forma mais ampla, saindo de dentro da empresa e mostrando ao mercado que o Metrô não só transporta pessoas, também cria soluções e situações que podem contribuir com o avanço da mobilidade em outros municípios e estados. O grande diferencial de estar no PqTec é: o Metrohub acelera projetos de inovação, conecta a Empresa com startups, universidades e outras empresas interessadas em inovação, além de dar visibilidade para o tema mobilidade urbana.
Durante os 4 anos que esteve na presidência do Metrô, quais foram as mudanças mais significativas que o senhor notou no setor?
S.P.: Parte dos quatro anos foi dedicada a cuidar da pandemia e isso nos impôs grandes desafios, pois além de cuidar do transporte de milhões de pessoas, diariamente, tínhamos que tocar os projetos de expansão da rede, modernização dos sistemas e material rodante, sem esquecer da inovação e dos colaboradores. Carrego o sentimento de tristeza por várias vidas que se perderam nesse tempo, mas o setor de mobilidade não parou na Pandemia, continuou debatendo e discutindo soluções para melhorar a qualidade de vida da população. Destaco nesses 4 anos o aumento da participação privada no setor de mobilidade, particularmente sobre trilhos. O marco regulatório das ferrovias também foi um avanço importante, que terá reflexos positivos para o desenvolvimento econômico do País. Porém, precisamos urgente, aprovar o marco legal do transporte urbano, instrumento importante para organizar e disciplinar as ações de mobilidade urbana, principalmente nas regiões metropolitanas.
Na sua opinião, qual é a principal aposta para solucionar os desafios da mobilidade urbana?
S.P.: Criar a autoridade metropolitana, com o objetivo de coordenar, integrar e debater a mobilidade urbana nas regiões metropolitanas, além de avaliar impacto que outras políticas públicas tem sobre o ir vir das pessoas no espaço urbano. Construir empreendimentos habitacionais em locais com pouca ou nenhuma infraestrutura, olhando apenas para custos diretos na produção de unidades, é algo que precisa ser repensado, grande parte dos problemas que enfrentamos hoje na mobilidade das pessoas, é fruto da falta de planejamento urbano. A autoridade metropolitana, vista de forma mais ampla, poderia dar grande contribuição no debate de políticas públicas em áreas conurbadas.
Como você vê a integração entre o Metrô e o Parque Tecnológico e os seus efeitos para benefício da população?
S.P.: É muito importante compartilhar os problemas, os desafios, para que mais pessoas possam contribuir com as soluções. O PqTec é um ambiente onde essa busca pela solução ocorre de forma livre, descontaminada pela cultura existente dentro das empresas. No ambiente do PqTec tem universidades, empresas, startups, laboratórios, entes públicos etc. Isso favorece a interação com uma nova geração de pensadores. Considero o ecossistema de inovação do PqTec multisetorial e multidisciplinar, ou seja, aprendizes e especialistas, startups e empresas consolidadas, dos mais diversos setores, debatem problemas em busca de soluções, que na maioria das vezes não terão ligação direta com mobilidade, mas a partir dessa conexão, soluções podem ser encontradas.
Como você vê o futuro da mobilidade urbana no Brasil?
S.P.: Estamos avançando, mas ainda falta muito. O espaço das regiões metropolitanas não tem integração, muitas vezes tem ausência de atuação do poder público e outras tem sobreposição. Precisamos cuidar da mobilidade olhando para origem do problema, ou seja, entender as razões que fazem o cidadão se deslocar no espaço urbano e cuidar dessa necessidade. Não sabemos ainda qual será o impacto que a mudança de comportamento provocada pela pandemia terá na mobilidade urbana. Milhares de pessoas se deslocam diariamente buscando educação, indo para o trabalho etc. Na área da saúde, por exemplo, antes da pandemia, a telemedicina era muito pouco utilizada, agora, teremos uma demanda muito maior por serviços de saúde e educação à distância. Alguns serviços você consegue viabilizar à distância, outras não, e essas mudanças irão impactar na mobilidade urbana.
Na sua opinião, qual é o principal legado da sua gestão para o Metrô e para o setor como um todo.
S.P.: São vários, mas destaco dois pontos: o primeiro é a crença de que podemos gerar receitas além da arrecadação tarifária e neste ponto destaco a conquista do projeto na República Dominicana [leia aqui], uma parceria internacional que vai gerar receitas adicionais para o Metrô; o segundo é a expansão da rede, com a entrega de estações nas linhas 4, 5, e 15, início das obras de expansão da Linha 2 Verde – que chegará até Guarulhos -, início dos projetos das linhas 16, 19, 20 e 22. No caso das linhas 19 e 20 contratamos estudos importantes visando a redução do investimento público e melhorando as condições de atração para a participação privada. Sempre tive a intenção de mostrar para a equipe que existem soluções e oportunidades diferentes daquelas que normalmente são debatidas na empresa. É preciso ter um olhar crítico em relação aos processos internos e externos. Sempre temos que pensar como podemos fazer o trabalho de forma diferente, agregar tecnologia, reduzir custos, reavaliar processos, analisando sempre de forma pragmática, para as soluções, fazendo com que a inovação seja uma rotina, seja a cultura da Empresa.
Da mobilidade para o setor da infraestrutura. Conte-nos sobre o novo desafio na Timbro Trading.
S.P.: Eu sempre fui apaixonado por projetos de infraestrutura, isto pelo impacto positivo que causa na qualidade de vida das pessoas e pela contribuição para o desenvolvimento econômico e social de um país. Atuar no setor significa promover melhoria na qualidade de vida do cidadão, via implantação de novos serviços e maior competitividade entre as empresas prestadoras de serviços. Os investimentos em infraestrutura geram riqueza, distribuição de renda e de benefícios. A partir do momento que se tem transporte público de qualidade, boa logística de cargas – rodovias, ferrovias, aeroportos e portos -, saneamento básico, energia limpa, a realidade econômica e social de um País se transforma.