As empresas brasileiras de engenharia tiveram um discurso uníssono nos últimos anos: falta mão de obra qualificada. O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) aproveitou o pleito do setor privado para tirar da gaveta um projeto antigo, de duplicar o número de vagas oferecidas no vestibular do ITA. Hoje apenas 120 alunos de graduação são admitidos na escola por ano.
“Agora o governo se sensibilizou com o tema e aprovou o investimento”, disse o reitor do ITA, Carlos Pacheco. O investimento, de R$ 300 milhões, inclui a construção de mais salas de aulas e dormitórios – muitos alunos moram no campus. As obras de duplicação começam em setembro e, em 2014, o ITA oferecerá 240 vagas no vestibular.
“É um desperdício não ampliar o ITA. Temos 500 alunos com nota para entrar na escola”, disse Pacheco. Ele quer aproveitar o investimento para renovar o ensino de engenharia. Uma das premissas é aproximar os alunos das empresas e promover mais atividades práticas. “Queremos motivá-los a seguir na área de engenharia”, disse.
Estimativas da consultoria Michael Page indicam que só metade dos alunos que se formam nas escolas de engenharia de primeira linha trabalham no setor. No ITA, a estimativa do reitor é que 80% dos formandos fazem carreira na área, mas muitos seguem carreira acadêmica.
“Há muita demanda por engenheiros no mercado financeiro, em consultorias e em multinacionais “, disse o diretor de consultoria da Michael Page, Augusto Puliti. Para ele, mesmo com a desaceleração da economia, ainda falta, sim, mão de obra técnica qualificada. “O déficit é enorme. Duplicar o ITA é ótimo, mas estamos muito longe do número de engenheiros que precisamos no Brasil”, disse. A concorrência por profissionais fez a média de salários ofertados para engenheiros subir cerca de 20% em 2011, segundo a Michael Page. / M.G.
Na década de 40, o governo desenhou um plano para criar uma escola de engenharia aeronáutica no País. Mais do que promover o ensino superior, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) nasceu para desenvolver a indústria de aviação no Brasil. A instituição, que completou 62 anos e consome um orçamento anual de R$ 50 milhões, foi o berço da Embraer, uma empresa que faturou R$ 9,86 bilhões em 2011, emprega 17 mil pessoas e tem sede até hoje ao lado do campus do ITA.
Neste ano, o instituto recebeu uma nova missão: promover o desenvolvimento de tecnologia de ponta não apenas para a indústria aeronáutica, mas para outros setores considerados estratégicos para o Brasil, como petróleo e energia. “A Embraer é a maior prova de que investir no ITA dá retorno para o País”, diz o reitor da instituição, Carlos Pacheco. “Vamos continuar pensando inovações para a indústria aeronáutica, mas queremos ampliar o leque e entrar em temas que sejam a fronteira da indústria nacional, como o pré-sal.”
A fórmula encontrada para renovar o ITA vai aproximá-lo justamente da instituição americana que inspirou sua criação, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). O primeiro reitor do ITA foi um ex-professor do MIT. Em abril deste ano, a presidente Dilma Rousseff assinou um convênio com a universidade americana para criar um centro de inovação dentro do ITA em parceria com empresas privadas.
A previsão da reitoria é de que o projeto seja estruturado em um ano e que o centro de inovação abra as portas no segundo semestre de 2013. O orçamento inicial prevê um investimento público de R$ 200 milhões em quatro anos, mais uma contrapartida das empresas parceiras, ainda não definida, segundo Pacheco. Também serão investidos R$ 300 milhões na duplicação da escola (leia abaixo).
A instituição fez uma seleção preliminar de seis companhias para serem parceiras do centro de inovação: Petrobrás, Braskem, Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT), Vale Soluções em Energia (VSE), Telebrás e a própria Embraer. Depois da divulgação do projeto, o ITA foi consultado por outras empresas interessadas, diz Pacheco. “Estamos abertos para parcerias com outras companhias.”
O ITA quer que as companhias indiquem quais são os gargalos tecnológicos que precisam ser superados para garantir a competitividade das empresas no longo prazo. O desafio de encontrar uma solução inovadora para esses problemas será lançado para alunos e professores da escola.
As empresas ainda estão definindo quais projetos e investimentos farão no centro de desenvolvimento, mas algumas já conseguem sinalizar o que consideram o maior desafio do seu setor. A Odebrecht Defesa e Tecnologia, por exemplo, tem uma lista de 50 tecnologias que a indústria nacional ainda não domina, mas são essenciais para a fabricação de mísseis, o carro-chefe da empresa. Hoje, o Brasil depende de tecnologia estrangeira para alguns dos componentes usados na indústria de defesa. Segundo o diretor da ODT, Manoel Antonio Nogueira, a companhia vai escolher algumas dessas tecnologias para serem objeto de estudo no centro de inovação.
A Vale Soluções em Energia vai desafiar os alunos a conseguir inovações no desenvolvimento de turbinas a gás, usadas na geração de energia limpa. E a Braskem quer promover estudos sobre o desenvolvimento e a aplicação de novos materiais para a indústria. “Estamos tentando identificar que materiais a Braskem pode produzir para atender às necessidades desses setores estratégicos”, disse o vice-presidente de Inovação e Tecnologia da Braskem, Edmundo Aires.
Reforço. A parceria mais forte do ITA no setor privado é com a Embraer. Dentro do campus é possível encontrar carcaças da aeronave Super Tucano desmontada para mostrar aos alunos a estrutura de um avião e placas informando que a fabricante brasileira patrocinou o túnel de vento de um laboratório.
Nos últimos dez anos, a empresa desenvolveu dez projetos de pesquisa no ITA. O Laboratório de Automação da Montagem Estrutural de Aeronaves (Lame), por exemplo, foi construído do zero em cima de um antigo campo de futebol da universidade. Com um investimento de R$ 8,5 milhões da Embraer e da Finep, o laboratório promove estudos para automatizar dois processos que hoje são feitos manualmente na fábrica: o alinhamento de parte de fuselagem e a perfuração de rebites. “Conseguimos alinhar as peças usando robôs controlados por meio de informação de GPS em 20 minutos. Manualmente, o processo leva um dia”, disse o professor de engenharia mecânica do ITA e coordenador do projeto, Luis Gonzaga Trabasso. Agora, empresa vai avaliar a viabilidade de implementar a tecnologia em grande escala na fábrica.
Com a criação do centro de inovação, a Embraer espera intensificar seus laços com o ITA. “Ainda estamos discutindo os detalhes, mas o que eu espero são projetos de maior dimensão”, disse o presidente da Embraer, Frederico Curado, um dos ex-alunos ilustres do ITA.
A instituição também quer mais das empresas. “Hoje um projeto de pesquisa leva dois anos em média. Queremos pesquisas de médio prazo, de cinco ou seis anos, para motivar o aluno durante toda a graduação”, disse o reitor.
Mão de obra. Mas, além de inovação tecnológica, as empresas querem um espaço dentro do ITA para recrutar talentos. “Queremos ter parcerias na escola para nos tornarmos uma empresa admirada pelos alunos”, disse o presidente da VSE, James Pessoa. “Dessa forma, quando estiverem prontos para o mercado de trabalho, eles podem desejar trabalhar conosco.” Na empresa, 50 dos 300 engenheiros se formaram no ITA.
“Todo mundo quer um engenheiro do ITA. Um executivo da Petrobrás veio aqui no ano passado e disse que queria todos os formandos”, lembrou Pacheco.
A Embraer, o maior empregador privado de ex-alunos do ITA, também quer mais. “Aproveitamos os projetos para vender o nosso peixe para os alunos e atraí-los para a Embraer. O duro é competir com os bancos”, disse Curado. O problema é que não tem formando para todo mundo, ao menos por enquanto. A instituição forma apenas 120 alunos por ano.