De olho no potencial de demanda mundial por equipamentos leves, o Brasil deve começar a processar em escala comercial fibra de carbono, chamado de material composto, para o desenvolvimento de aviões com essa tecnologia a partir de 2013.
Na prática, essa tecnologia é um tipo de plástico com resistência equivalente à de metal e de ferro e que faz parte do portfólio de projetos do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Aeronáutica, em processo de instalação no Parque Tecnológico de São José dos Campos, situado no quilômetro 138 da rodovia Presidente Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Por serem mais leves, os equipamentos consomem menos combustíveis e, paralelamente, provocam menos impacto ambiental. Eis uma das vantagens dessa tecnologia.
Chamado de laboratório de estruturas leves, o centro é concebido pela Embraer em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). A proposta é atrair a atenção de empresas de outros setores, como automotivo, petróleo e energia eólica, para desenvolverem, também, projetos no laboratório.
Segundo o diretor do parque tecnológico de São José dos Campos, José Raimundo Braga Coelho, hoje o desafio da indústria aeronáutica é desenvolver aviões utilizando a tecnologia material composto – fibra de carbono. Ele esclarece que foram investidos cerca de R$ 100 milhões no laboratório, com recursos do banco de fomento, BNDES, e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Vantagens de aviões de plástico com tecnologia nobre – Ao citar que uma das vantagens é a redução do custo com combustível, Braga calcula que se utilizar 50% de material composto no desenvolvimento de um avião é possível gerar uma economia de cerca de um terço no consumo de combustível.
“O resultado dessa brincadeira equivale a uma economia de cerca de 30% de recursos [com combustíveis] e redução de 30% na poluição, pois quanto menos combustível menos poluição do ar”, disse ele, ao adiantar em tom de descontração: “Vamos ter avião de plástico”, brinca ele, atual diretor financeiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Braga foi professor de matemática da Universidade de Brasília (UnB), da PUC do Rio de Janeiro e do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Nova York (EUA).
Segundo o diretor do parque, esse será o único laboratório do Hemisfério Sul capaz de desenvolver “essa atividade estratégica”.
Com equipamentos adquiridos no exterior, o laboratório permite transformar fibras de carbono em estruturas de material composto, conforme as necessidades de cada setor. Por exemplo, podem ser produzidas partes de frente e de trás do avião e as asas.
Posição da Embraer – Por intermédio da assessoria de imprensa, a Embraer, sem dar mais detalhes, informa que já produz equipamentos com a utilização de material composto. Mas em percentuais considerados baixos, de 10% a 30% do total da matéria-prima utilizada no desenvolvimento dos equipamentos. O desafio da empresa é ampliar a participação de tal tecnologia nas aeronaves. Dessa forma, o laboratório nasce para dar suporte à empresa no desenvolvimento de aeronaves com essa tecnologia.
Operação do laboratório – As expectativas são de que o laboratório de estruturas leves esteja em plena atividade a partir de março do próximo ano. O diretor do parque acredita que 90% das obras estejam em operação em dezembro próximo. “Na hora em que o laboratório estiver a todo vapor a fibra de carbono será processada, embora hoje a fibra já possa ser processada [com a estrutura atual]”, disse Braga. A linhas de fibras de carbono serão fornecidas por outras empresas.
O Laboratório prevê iniciar as operações com cerca de 20 funcionários de vários níveis, número que deve ser alterado conforme o desempenho da demanda pelo material composto.
Concorrência externa – A estratégia da Embraer é permanecer competitiva no mercado mundial. No exterior, o avião de estruturas leves lançado mais recentemente é o Boeing 787 que utiliza 55% de plástico em sua estrutura, o apelidado de avião dos sonhos (plane of live). A Bombardier, principal concorrente da Embraer, ainda não produz aviões com fibras de carbono, segundo especialistas.
Segundo o pesquisador do IPT, Marco D’Elia, o Boeing 787, considerado o mais moderno em termos de tecnologia, ainda está em fase de teste. “Houve um atraso justamente pela dificuldade de certificar todas as partes [peças] por ser um equipamento tão inovador”, destaca D’Elia, sem querer fazer estimativas sobre a demanda em potencial pela tecnologia.
Com base em prospectos do Boeing 787, o pesquisador do IPT diz ser necessário avaliar a totalidade dos benefícios dessa tecnologia, não se limitando apenas à estrutura leve e resistência do material. Estima-se que o Boenig 787 pese 130 toneladas, contra 180 toneladas de concorrentes diretos (A330).
Por ser mais leve, D’Elia avalia que o equipamento consegue transportar mais carga útil e mais passageiros, tornando o custo operacional menor dos que os modelos atuais. Além disso, ele destaca que equipamentos produzidos com essa tecnologia garantem mais conforto porque aumentam a umidade interna da aeronave.
Demanda setorial – Além do setor aeronáutico, o diretor do parque acredita que há procura dessa tecnologia pelo setor de petróleo e gás, principalmente da Petrobras, sob a influência da utilização de tubos que ligam as plataformas off-shore para extração de petróleo. Esses tubos, avalia Braga, precisam ser leves, resistentes e não-corrosivos. Outra demanda pode partir do setor automobilístico e de bicicletas. Nesse caso, a tecnologia permite aumento de velocidade proporcionado pela melhoria da aerodinâmica.
Outra demanda em potencial são os projetos da Nasa, agência espacial americana. Um exemplo é a fabricação de cabo do chamado ‘elevador espacial’ criado para lançar satélites na órbita da Terra, a distâncias de até 36 mil km da superfície terrestre.
“O desafio desse elevador espacial é construir um cabo de nanofibra de carbono para fazer a ligação entre a Terra e a órbita onde ficará o satélite lançado”, disse o diretor do parque. “Essa é uma operação complicadíssima e caríssima. Cada lançamento de um satélite gira em torno de US$ 300 a US$ 500 milhões”, disse ele, referindo-se ao modelo atual.
(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)